DESCRIÇÃO DO RECIFE DE PERNAMBUCO

Pera a parte do sul, onde a pequena

Ursa se vê de guardas rodeada,

Onde o céu luminoso, mais serena,

Tem sua influição, e temperada.

Into da nova Lusitânia ordena

A natureza mãe bem atentada,

Um porto tão quieto e tão seguro,

Que para as curvas naus serve de muro.

É este porto tal, por estar posta

Uma cinta de pedra inculta e viva,

Ao longo da soberba e larga costa,

Onde quebra Netuno a fúria esquiva.

Entre a praia e a pedra descomposta

O estanhado elemento se deriva

Com tanta mansidão, que uma fateixa

Basta ter à fatal Argos aneixa.

Em o meio desta obra alpestre e dura

Uma boca rompeu o mar inchado,

Que na língua dos bárbaros escura

Paranambuco – de todos é chamado:

De – Paraná – que é Mar, – Puca, rotura;

Feita com fúria desse mar salgado,

Que, sem no derivar cometer míngua,

Cova do mar se chama em nossa língua.

Para a entrada da barra, à parte esquerda,

Está uma lajem grande e espaçosa,

Quede piratas fora total perda,

Que uma torre tivera suntuosa.

Mas quem por seus serviços bons não herda,

Desgosta de fazer cousa lustrosa;

Que a condição do rei, que não é franco,

O vassalo – faz ser nas obras manco...

Sendo os deuses à lajem já chegados,

Estando o vento em calma, o mar quieto,

Depois de estarem todos sossegados,

Por mandado do rei, e por decreto.

Proteu no céu, c'os olhos enlevados,

Como que investiga alto secreto,

Com voz bem entoada, e bom meneio,

Ao profundo silêncio, larga o freio.

TEIXEIRA, Bento. Descição de Recife de Pernambuco. In: Sergio Buarque de Holanda. Antologia: os Poetas Brasileiros da Fase Colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979, p.30-31.

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