De um varão em mil casos agitado,
Que, as praias discorrendo do ocidente,
Descobriu o recôncavo afamado
Da capital brasílica potente;
De Filho do trovão denominado,
Que o peito domar soube à fera gente,
O valor cantarei na adversa sorte,
Pois só conheço herói quem nela é forte.
Santo Esplendor, que do Grão Padre manas
Ao seio intacto de uma Virgem bela;
Se da enchente de luzes soberanas
Tudo dispensas pela Mãe Donzela;
Rompendo as sombras de ilusões humanas,
Tudo grão caso a pura luz revela;
Faze que em ti comece e em ti conclua
Esta grande obra, que por fim foi tua.
E vós, príncipe excelso, do céu dado
Para base imortal do luso trono;
Vós que, do áureo Brasil no principado,
Da real sucessão sois alto abono;
Enquanto o império tendes descansado
Sobre o seio da paz com doce sono,
Não queirais dedignar-vos do meu metro
De pôr os olhos, e admiti-lo ao cetro,
Nele vereis nações desconhecidas,
Que em meio dos sertões a fé não doma,
E que puderam ser-vos, convertidas,
Maior Império que houve em Grécia ou Roma;
Gente vereis e terras escondidas,
Onde, se um raio da verdade assoma
Amansando-as, tereis na turba imensa
Outro reino maior que a Europa extensa.
Devora-se a infeliz mísera gente:
E, sempre reduzida a menos terra,
Virá toda a extinguir-se infelizmente,
Sendo em campo menor maior guerra
Olhai, senhor, com reflexão clemente
Para tantos mortais que a brenha encerra,
E que, livrando desse abismo fundo,
Vireis a ser monarca de outro mundo.
DURÃO, Santa Rita. Nossos Clássicos. n. 13 ["Caramuru", poema épico do descobrimento da Bahia, por Hernani Cidade]. Rio de Janeiro: Agir, 1957, p.7.