Quanto ouvires o pássaro
cantar em frente do teu quarto,
naturalmente em vão,
não penses
que sou eu que aí vim tocar,
não.
Quando o vento disser,
ao teu, ouvido de mulher,
uma palavra
branca e fria como a cerração,
não penses que o vento fui eu,
não.
Quando receberes
uma carta anônima, trazida
por secreta mão
– quem será que assim me acusa? –
eu é que não serei,
não.
Quando ouvires, porém, no escuro,
a goteira caindo
sobre o triste chão, aí, então,
serei eu que estou batendo
na pedra
do teu coração.
BRAGA, Rubem (org.) Cassiano Ricardo - Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964, p.123-124.