No Palácio da Cachoeira,
com pena bem aparada,
começa Joaquim Silvério
a redigir sua carta.
De boca já disse tudo
quanto soube e imaginava.
Ai, que o traiçoeiro invejoso
junta às ambições a astúcia.
Vede a pena como enrola
arabescos de volúpia,
entre as palavras sinistras
desta carta de denúncia!
Que letras extravagantes,
com falsos intuitos de arte!
Tortos ganchos de malícia,
grandes borrões de vaidade.
Quando a aranha estende a teia,
não se encontra asa que escape.
Vede como está contente,
pelos horrores escritos,
esse impostor caloteiro
que em tremendos labirintos
prende os homens indefesos
e beija os pés aos ministros!
As terras de que era dono,
valiam mais que um ducado.
Com presentes e lisonjas,
arrematava contratos.
E delatar um levante
pode dar lucro bem alto!
Como pavões presunçosos,
suas letras se perfilam.
Cada recurvo penacho
é um erro de ortografia.
Pena que assim se retorce
deixa a verdade torcida.
(No grande espelho do tempo,
cada vida se retrata:
os heróis, em seus degredos
ou mortos em plena praça;
– os delatores, cobrando
o preço das suas cartas...)
MEIRELLES, Cecília. Obra Poética. 2a Ed. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1967, p.521-522.