Uma fina saudade vai varando
a quietude cansada do meu tédio.
Mas, saudade do quê? de quem?...
Os dias
são bolas de cristal, azuis, polidas,
lisas, sem uma aresta traiçoeira
em que venha prender-se e estraçalhar-se
o véu de um pensamento de outros tempos;
sem nem o esconderijo de uma nuvem
onde fique um olhar longo de outrora
olhando para as cinzas destes instantes;
nem uma sombra forte em que se oculte
um pedaço perdido de passado...
Tudo, em torno de mim, é luminoso,
alto e macio, deslizante e lindo;
tudo é apenas um lúcido presente:
é a negação perfeita da saudade...
E no entanto – por quê? por quem?... – eu vejo
e ouço passar na terra a minha vida
cantando uma cantiga vagarosa
de água que leva flores na descida...
ALMEIDA, Guilherme de. Meus versos mais queridos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988. p. 101.